Artigo: Tributação sobre transações eletrônicas
quarta, 12 de agosto de 2020
Nova CPMF não! Agora se chama Imposto Digital. A nova proposta está em teste de aceitação no congresso e pressupõe a aplicação de uma alíquota mínima de 0,2% sobre transações financeiras.
Nova CPMF não! Agora se chama Imposto Digital. A nova proposta está em teste de aceitação no congresso e pressupõe a aplicação de uma alíquota mínima de 0,2% sobre transações financeiras. Paulo Guedes defende que a arrecadação desse novo tributo permitiria a criação de programa de desoneração da folha de pagamento de até um salário mínimo.
Menor oneração sobre a folha de pagamento pode gerar maior potencial de contratação na economia? A resposta é sim, mas há efeitos negativos da criação do novo tributo, como o incentivo à informalidade e o impacto sobre a atividade econômica. Mas então, qual é o resultado líquido dessa nova política? Antes de responder precisamos conversar um pouco.
Primeiro, o problema é maior do que imaginávamos. A proposta do Guedes ao condicionar a criação do Imposto Digital para ser contrapartida da nova política de incentivo deixa desnudo dois grandes problemas da economia brasileira: a elevada carga tributária e a incapacidade de aumentar a arrecadação.
Ao longo da história, essa discussão nunca foi levada muito a sério, pois quando um novo tributo era criado ocorria desconforto no curto prazo, mas rapidamente era acomodado pelas empresas e famílias. Agora o jogo mudou, o mercado está tão competitivo e as margens estão tão justas que qualquer aumento de custo pode inviabilizar uma atividade econômica.
Eu digo sempre que o sistema tributário no Brasil é um elefante criado do rabo para frente. Elefante, pois o Brasil hoje se configura na 14º maior carga tributária no mundo e o 1º na América Latina, o que torna nosso país um dos menos competitivos. Do rabo para frente, pois o nosso sistema tributário é ajustado para atender os gastos do setor público, que está cada vez maior, não o contrário. Desde 2013, vivenciamos elevada dificuldade em realizar cortes de gastos e a ineficiência do uso do dinheiro público é regra, não a exceção.
Desde 2014 o Brasil convive com déficit fiscal. Fazendo um paralelo à uma pessoa comum, o governo está usando o cheque especial, pois os seus gastos são superiores ao seu salário. Quando isso acontece, a solução é muito simples: se estão faltando recursos é necessário pegar dinheiro emprestado. Resultado: a nossa dívida bruta saltou de 63% do PIB em 2014, para 85,5% em julho deste ano.
Como diz o gaúcho “a pandemia chegou de mala e cuia” e trouxe com ela a grande necessidade de gastos públicos maiores para combater a covid19 e tratar os pacientes. Em todos os cantos do Brasil ocorreram mobilizações e forte aderência dos prefeitos ao estado de emergência e calamidade pública, para ter a premissa de gastar os recursos públicos sem a necessidade de se utilizar dos procedimentos tradicionais previstos na lei de licitações.
Caos no setor produtivo, dispensa de licitação, calamidade social, forte demanda por insumos e equipamentos da área da saúde e recursos disponíveis... Cenário perfeito para aumentos de preços e uso ineficiente do orçamento do Estado. Resultado, o déficit primário do governo federal que em 2019 estava em R$ 95 bilhões poderá se transformar em R$ 812 bilhões neste ano.
Nesse momento estamos tateando um terreno mais sólido em relação ao real impacto da doença na saúde das pessoas e na economia do nosso país. A cortina de fumaça que estava sobre o nosso futuro começa a clarear e dois monstros aparentemente dão as caras, a elevação eminente da tributação e um possível crescimento da inflação. Dois males que no passado sangraram a renda das famílias e reduziram as oportunidades do setor produtivo.
Agora respondendo à pergunta que fiz no início do texto: qual é o resultado líquido da nova política proposta por Paulo Guedes? Digo que no curto prazo o efeito será positivo, pois o Imposto Digital devido à sua característica arrecadatória (direto na fonte) irá gerar fundos imediatos nas contas do governo, o que abrirá espaço para aplicar a política de desoneração da folha, principalmente para empregos com baixos salários.
No médio e longo prazo, o efeito será nulo para negativo, pois é evidente a incapacidade de se produzir e consumir com cargas tributárias maiores. Hoje o Brasil está tomando medicamento para tratar os sintomas e não combater efetivamente a doença. O nosso elefante feito do rabo para frente e a ineficiência dos gastos dos recursos públicos continuarão sacrificando nosso futuro se não ocorrer uma reforma tributária séria.
João Ricardo Tonin é doutorando em Desenvolvimento Econômico pela UFPR. Atualmente é assessor parlamentar na Assembleia Legislativa do Estado do Paraná (ALEP) e Colunista do Programa Economia em Foco da CBN Maringá.
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